O médico fez todos os exames. Estava
seguro, o parto aconteceria quando a gravidez completasse exatos nove
meses.
O
prognóstico falhou. A bebê era do contra, surpreendeu a todos e rebentou um mês
antes. O nascimento foi penoso. A mãe estava na rua fazendo compras, na busca
por roupinhas e um berço. Enquanto caminhava pelo passeio, a vista embaralhou, o
passo vacilou, as sacolas caíram, a bolsa rompeu. Formou-se um aglomerado de pessoas.
Uma jornalista apareceu. O milagre do nascimento seria transmitido ao vivo. A
mãe gritava, banhada em suor. A criança ameaçava sair; a cabeça pra fora. Uma
enfermeira que passava tentou puxá-la. A bebê assustou, voltou pra dentro. A torcida lamentou. Decidiram levar a grávida,
de carro, ao hospital mais próximo. O parto foi longo. E quando finalmente
nasceu, a neném surpreendeu a todos. Contrariou o ultrassom, havia um pintinho
entre as pernas.
Durante
a infância também apareceram sinais de que aquele espírito a tudo contrariaria.
Seus trejeitos eram femininos. Relutava, contradizia seu próprio ser. No
aniversário de sete anos pediu uma metralhadora de brinquedo. Queria ser
soldado. O pai era esclarecido, não reprimia. Mas não havia jeito, o pequeno
não dava brecha, batia nas outras crianças para provar a macheza. Se todos torciam
para o time campeão, ele vibrava com o rival; se a moda era topete, raspava a
cabeça. A mãe tentou um psicólogo. O terapeuta desistiu. Tratava-se de uma mania
que beirava a loucura.
Quando
adulto, a doença, se assim podemos chamá-la, demonstrou-se mais grave. Foi difícil,
mas encontrou uma companheira amorosa. Mulher passiva, não tinha boca pra nada,
tolerava as manias do homem que a todos afastava. Até os pais. As manifestações
de sua obsessão se davam em diferentes graus. Às vezes de forma mais amena,
como quando foi ao cinema e ficou de olhos fechados pra contrariar os que
assistiam ao filme; ou quando dormiu na cozinha só para contrariar o quarto.
Quanto as atitudes excêntricas, a mais espantosa: frente ao padre, em cima do
altar, disse ‘não’, só pra contrariar a noiva.
Passou
por muitos empregos, enfureceu muitos patrões, chegou à velhice. Vivia num
asilo. A idade avançada comumente é acompanhada de rabugices, mas nem os mais
intransigentes que ali viviam suportavam as atitudes do ‘Contrinha’ – assim apelidado
pelos enfermeiros. Tinha mania de cuspir os remédios indicados e tomar as pílulas
do colega de quarto, cadeirante à mercê daquelas esquisitices.
Guardava
o costume de jogar cartas com os companheiros na varanda do segundo andar do
prédio principal do asilo. Um belo dia, ao perder uma partida de buraco, se
recusou admitir a derrota. O adversário, então, velhinho enfezado e perspicaz,
teve uma idéia. Em tom desafiador:
–
Contrinha, ordeno que você jamais pule desta varanda.
Ele
pulou.
Os
velhinhos pasmaram. Desceram todos até onde encontrava-se o corpo esticado no
chão. Uma das pernas virada pra trás. Aproximaram-se, bem perto. Um sorriso
amarelo esboçou-se nos lábios de Contrinha.
Não
morreu. Contrariou a morte.
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