segunda-feira, 31 de março de 2014

no caminho vago
da consciência vazia
havia a experiência.
interagiram-se!
criaram o tempo;
que ele desse jeito
naquela monotonia!
então o tempo
criou o homem;
e o homem a poesia.

sexta-feira, 21 de março de 2014

caminhos camuflados
de realidade, reagem, rudes,

aos transeuntes inconscientes
da transitoriedade.

convém ser camaleão
multi tonalidades:

no movimento tecer cores,
reavivar as raízes das ruas;

nesta senda servir sentidos
àquilo que tudo pode. 

segunda-feira, 17 de março de 2014

Meditativo
Em lótus levito.
Não há tato
Na estátua de Sidarta.
Nem perfume
Na pétala prata.
Apenas um leve
E sólido silêncio
No vazio 
Da plenitude.

sexta-feira, 14 de março de 2014

a verdade
é o 'nada' transcendente;
uma simbiose
entre o bem e o mal;
o mistério
no olhar da vidente
que seduz o destino banal.

terça-feira, 11 de março de 2014

Saudade e esperança são formas do amor viajar no tempo.

No meu quintal havia um girassol

Aconteceu quando eu estava sentado numa cadeira de madeira, de frente para meu quintal. Enquanto meus pensamentos vagueavam, vi um pequeno reboliço de formigas ao lado dos meus pés. Sentei no chão, ao lado delas, decidido a observá-las. Juntas, formavam um círculo. Quase não pude acreditar, mas, quando cheguei bem perto, percebi que no meio do de tal círculo havia uma formiga amarrada num minúsculo pedaço de palha. Ao redor desta, as outras pareciam furiosas. Perguntei o que estava acontecendo. E uma formiga, que tinha a cabeça maior que a das outras, e que aparentava ser a chefe do formigueiro, tomou a frente do grupo e respondeu, com ódio: “atearemos fogo nessa palha, essa bruxa – referindo-se a pobre formiga feita prisioneira – deve ser queimada”. Após frase pronunciada de forma tão enfática, começaram um coro “queima, queima, queima”. Fiquei aflito, queria saber o que estava acontecendo; precisava saber o que a tal formiga poderia ter feito de tão grave. Foi então que, no meio do tumulto, ela começou a gritar: “vocês precisam entender, o girassol não é Deus, é só uma flor”.

quinta-feira, 6 de março de 2014

a razão retêm-se na retidão cartesiana
e rui na ânsia ante um retábulo

um fantasma enrosca-se em Sócrates
e o submerge num rio de impermanência

o termo ‘limite’ possibilita a leitura do mundo
daquele que respira a palavra

mas a palavra ‘céu’ não é o limite do céu
apenas um conciso
sentimento de paz
e eu pronto dissipo
essa massa de mas
o que há
para lá
da parede

parida
de dentro
de mim?

Do asfalto sobe um vapor tórrido
No sol o torpor é mais cálido

Grande elefante o tempo sente
Tem dias que passam lentamente

Como lesma sobre concreto
Jogado no chão, olhar no teto

O relógio faz que não mente
Tem dias que escorrem lentamente


O Zen e o Vento

o vento que sopra meu ser,
dispersa-me, dente de leão,
em brancas penugens suspensas

em flutuantes finas levezas
todos meus eus, díspares, pairam
sobre o solo comum de maya

em terras férteis e atrativas,
amigos, amores e rimas,
renasço nas formas festivas

e nos recipientes estéreis
aceito a senda que não cria
e mergulho no vão da vida
o telos
é tatear

(temporal-mente)

a teia
de teo

quarta-feira, 5 de março de 2014

No caixa do supermercado

Pegou tudo?
Peguei.
Então vamos.
Sim.
Caralho, todos os caixas estão lotados.
Putz.
Olha aquele, corre lá que ele ta abrindo agora, só tem uma mulher na frente.
Ufa, conseguimos.
Pode crer, MAIOR SORTE.
Olha só o tamanho da fila do caixa rápido, imensa.
Saca só aquele cabeludinho que tá em último.
Melhor ele descolar um colchão.
Pelo tamanho da fila, ele só vai sair daqui amanhã.
Amanhã? um dia vão achar o esqueleto dele por aí, com o fardinho de breja na mão.
Nossa, por falar nisso, o caixa daqui tá demorando pra abrir, né?
Verdade.
Por que o computador do caixa não liga logo?
Vixe, pelo jeito deu pau no computador, ta reiniciando.
Putz.
Olha essas revistas de novelas...
Que bosta.
Hey, eu gosto, tá?
Sério?
Tô brincando.
Prefiro essa de modelos que ensina dietas!
Putz, esse programa não vai reiniciar nunca?
Hey, moça, por que isso não reinicia logo?
Desculpe, senhor, preciso que a gerente venha aqui pra digitar a senha que abre o programa.
E cadê ela?
Já está vindo.
Vai demorar muito?
Não, ela já vem.
Olha lá, o cabeludinho andou um pouco, coitado.
Mas aqui também tá foda, viu!
Calma, a gerente já vem.
Pelo jeito, ela deve estar vindo da casa dela.
Relaxa.
Olha só esse monte de doces aqui.
Os caras do mercado são espertos, colocam isso bem na fila pra atiçar a gente.
Mas eu não compro, só de raiva.
Pode crer, não me enganam também.
Caralho, cadê a porra da gerente?
Ufa, chegou.
Agora vai!
Tá digitando a senha.
Digitou.
Mas por que não passa logo as compras da mulher aqui da frente?
Moça, moça, já não digitou a senha? Por que não passa as compras dela então?
Desculpe senhor, deu erro na senha; a gerente foi chamar o técnico.
MEU DEUS!
Calma, o técnico já vem e resolve.
Porra, olha lá o cabeludinho, já andou mais; ta na metade da fila.
Esquece esse cara.
Olha só aquelas fotos da cidade em 1930.
Nossa, como as pessoas conseguiam ficar de terno nesse calor?
Pensa pelo lado bom; aqui tem ar-condicionado.
Sim, mas a demora tá foda.
O técnico chegou.
Agora vai!
Vixe, pela cara dele o problema é sério.
Moça, pelo amor de Deus, o que tá acontecendo?
Acho que o software tá com vírus.
Vírus? Como assim? Nunca vi isso acontecer em caixa de supermercado.
Pois é senhor, parece que alguém conseguiu entrar no facebook pra jogar fazendinha e pegou vírus.
Santa Maria!
Calma, o técnico vai passar o antivírus.
Você só pode tá de brincadeira.
Acalme-se, por favor!
Como?
Ele tem o anti-vírus Norton, vai detectar rapidinho.
Cara, olha o cabeludinho, lá, só tem quatro na frente dele.
Vá pá merda.
Que isso? Sua pálpebra tá pulando.
Meu braço ta dormente, me deixa quieto; preciso de um doce, pega aí pra mim vai.
Senhor, não pode abrir o produto antes de passar no caixa.
Então vai logo!
Calma, o técnico já tá vindo.
Calma, calma, calma, você não cansa de falar isso?
Chegou.
Passa logo esse anti-vírus.
Sim.
Parece que a USB tá com problema.
Cara, me segura.
Peraí, peraí, funcionou.
Ufa!
Técnico, quanto tempo demora isso?
Não mais que 15 minutos.
Olha lá, a pálpebra pulou de novo.
Vou comer esse doce, não quero nem saber.
Não faça isso senhor, terei que chamar os seguranças.
Argh!
Não acredito que teremos que esperar 15 minutos.
Vamos ler as capas das revistas.
Tá de brincadeira, né?
É sério, ajuda o tempo passar.
Passar? Eu quero é passar a porra das nossas compras.
Maldita hora que você escolheu esse caixa.
Para com isso, olha lá o cabeludinho, só falta um na frente dele.
Inacreditável!
Pronto, senhor, já detectou o vírus, e o computador já pode ser reiniciado.
Até que enfim.
Pode passar as coisas.
Aleluia! Agora é só esperar essa mulher da frente passar, e depois é a gente.
Até que ela tá passando rápido.
Ufa!
Ué, parou por que?
Aquela maldita luz do caixa acendeu.
O que será?
Moça, o que ta acontecendo?
A mulher esqueceu de pesar os tomates.
Puta que pariu!
Calma senhor, a moça vai de patins, rapidinho.
Cara, minha gastrite.
Relaxa, olha essa revista de futebol.
Que se exploda!
Grosso.
Olha lá, a menina já chegou, pronto; agora é só passar o resto e é a gente.
Do jeito que as coisas estão, eu duvido, capaz até de cair a energia do mercado.
Não fala isso nem brincando.
Só falta passar aquela caixa de leite e somos nós.
NÃO! PAROU POR QUÊ?
Acalme-se senhor, eu passei o número de caixa de leite errado; preciso que a gerente venha aqui para cancelar dois leites.
Eu pago por esse leites a mais, pelo amor de Deus, mas deixa eu passar logo.
Não posso senhor.
Por quê?
São as normas do sistema.
Eu quero morrer.
Calma, senhor, a gerente já está chegando.
Do Japão, só se for!
Cara, o cabeludinho!
INFERNO, para com isso!
Pronto, chegou.
Até que enfim, cancelou?
Sim.
Somos nós.
Olha, o cabeludinho ta passando junto com a gente; vai rápido que a gente ganha dele.
Pelo amor de Deus, esquece esse maldito cabeludinho.
Pronto, senhor, ficou cinquenta e três e noventa.
Passa no cartão.
Crédito ou débito?
Crédito!
Pode inserir.
Digite a senha e aperte o verde.
Pronto.
Ué, por que não tá indo?
Senhor, parece que travou o sistema; aguarde um minuto.
Um minuto? Um minuto? Pegue esse cartão e corte meu pescoço, por favor.
Calma, senhor.
Cara, não queria falar nada, mas o cabeludinho tá indo embora.
(silêncio psicótico)
Pronto, senhor, pode inserir o cartão novamente.
Tá, tá, tá!
Senhor, deu senha inválida; digite novamente.
Inválida de novo; mais uma e bloqueiam seu cartão.
Cara, seu olho vai pular pra fora.
Senhor, seu cartão foi bloqueado.


terça-feira, 4 de março de 2014

O Toque Místico

Profundos os homens do sagrado toque;
Aqueles que discretamente arrumam
Os quadros tortos em retas paredes. 
São seres essencialmente sensíveis
À dinâmica dançante dos opostos:
Tanto à fria escuridão na ânsia por sol,
Quanto à queda de Lúcifer ao inferno.
Parte, deles, uma teleologia do encaixe;
O fim sexual é apenas um exemplo.
A vontade de solucionar é metafísica,
Pois habita o inconsciente destes homens
Um indomável aracnídeo ontológico
A compor em teias a sinfonia divina
Que harmoniza todos os elos simbólicos
E dá o tom holístico ao universo.

                                                 

O Desejo

o coração é a mão do desejo
mais íntimo que há em nós.

constantemente ele bate
na porta do nosso peito.

constantemente ele pede
para se libertar do eito.

constantemente a gente
se flagela e finge não ouvir.

constantemente esta vida,
neurótico o seu devir. 
no anelo
por um raio intempestivo

que ilumine
meu ser tempestuoso

Meu consumo me consome

Meu relógio me acorda
Minha escolha me escolhe
Meu dinheiro me compra
Meu tempo me pontua
Meus sapatos me guiam
Minhas roupas me definem
Meu café me amarga
Meu carro me dirige
Meu trabalho me trabalha
Minha comida me adoece
Minha TV me assiste
Minha nudez me anula
Meu remédio me vicia
Meu colchão me dorme
Meu sonho me sonha
Meu relógio me acorda...


Lauro José, o Tao da Estrada

e segue
o caminhoneiro
Lauro José
dia e noite
pela estrada
que não começa
e nem termina
tudo por ele passa
carros e carretas
postos e opostos
o céu azul
e o sol ardente
as múltiplas luas
e a noite, estrelas
tudo por ele passa
pelo acostamento
dois gatos cruzando
um preto um branco
mas o Tao Lauro José
está parado
centrado
sentado
sobre seu búfalo de rodas
com o volante nas mãos
como uma flecha
relativa e imóvel
acima do asfalto que passa
tudo por ele passa
enquanto ele
por tudo
passa

Homus Taxatórius

Por favor, não diga quem sou.
Se eu estiver de bom humor,
pode dizer quem acha que és,
mas não mais me diga quem sou.
Ando exausto de tanto ser;
Já fui filho dos deuses gregos
que deixaram o meu céu negro,
com raios, trovões e tempestades.
Já tive nas minhas entranhas,
o fogo que a tudo transforma,
e, sempre a mim muito estranhas,
outras tantas perenes formas.
Também fui filho do pecado
e até hoje sofro este fado;
fervoroso orei ao meu deus pai,
mas não sei se hoje estou perdoado.
Outros tempos muitas rasuras;
de bom selvagem, máquina,
fui tábua rasa e razão pura;
vários homos e até macaco.
Depois vinguei como desejo;
síntese de ocultos poderes.
O adeus àquele pai estranho
deixou-me neste mar de seres.
Poderia até estar certo, Sartre,
mas não me diga que sou livre,
caso contrário me contradigo,
e esse poema – já preocupado –
perderia todo seu sentido.

O homem de areia

enquanto na praia deserta
[entre sonhos de sereias]

feitiços pincelam sua alma
como esculturas de areia,

seu ser inconsciente saliva
o sentido da lua cheia.

Haikai

há paz neste vento
que sopra eternamente
todo firmamento

Divinumanos

Um dia desses, um dia qualquer,
Buda e Jesus reapareceram.
Foi num parque de diversões.
Entre a multidão, gritos alegres,
rostos de crianças e balões,
ninguém os percebeu.
O tempo todo andaram juntos,
com uma pequena exceção:
Buda temia montanha russa,
ficou na fila da pipoca
enquanto Jesus divertia-se
no primeiro carrinho, veloz,
com as mãos para o céu azul.
E quando o sol, já sonolento,
se acomodou para dormir,
Buda e Jesus deram as mãos;
confundiram-se. E então partiram
de carona no último raio
que iluminou aquele dia.

Cochilo Astrofísico

a beatitude
inapreensível

o real em mim
num tom sensível

reminiscência
de algo já ido

no espaço tempo
transcendido                 

Autópsia do Avaro

na goela
moedas
na medula
cédulas
no intestino
dinheiro
e na via retal
um fundo
de capital